Autor: Thiane Ávila
Vida de mentira. Vida dissociativa. Vida que delimita, a fechaduras bem posicionadas, as fronteiras da egolatria.
Tantas vezes frágil pela má colocação da vidraria. Vida submissa ao polimento amiudado. Ao cuidado especioso com o toque e o empréstimo das louças. Vida emprestada é sujeita ao abandono, a rachaduras e a quebras.
Vasilhame quebrado já não serve mais ao ofício de ser. A importância dada aos direcionamentos do trajeto é o que dignifica uma essencialidade. É o que eterniza uma desimportância vital.
Da vida de louça os loucos entendem bem. Os seus amores de conteúdo guardados em peças empoeiradas são a armadilha da permanência. Ninguém mexe. Ninguém toma. Louça rachada é rechaçada. Amor acervado não gera especulação maliciosa.
Guardando na louça suja o amor límpido, o louco sabe que a mantenedora é garantida. A beleza não é indício de polidez. Afinal de contas, atrás da poeira e do mofo encontraram-se as maiores e mais belas relíquias de uma história. A idade é aliada da valia. O tempo, no entanto, é traiçoeiro para o olhar.
Há perdas imensuráveis na procura de olhos azuis. Há tombos incuráveis nos passos sobre o piso liso, quando o mármore retém toda a segurança e beleza fidedignos a uma vida de haustório e saudável existir.
Pobres coitados os pesquisadores de brilho. Quanta hipocrisia frente a uma face fosca. A velha história do frasco não procede. A intensa e interminável guerra estética é um revés das promanações. Feias e santas promanações.
Na profundidade da louça, a resiliência do conteúdo. Conteúdo que não tem obrigação de valer. Nem tudo o que é profundo suporta. Nem tudo o que é caro tem valor. Nem tudo o que importa é importante.
A vidraria mais antiga e peculiar de meu armário foi encontrada no seu abandono da inutilidade. A carestia das novas peças ornamentadas de requinte retirou o seu valor de forma subitânea. Não permitiram o tempo do luto. Não a desguarneceram sequer de seu conteúdo para que fosse realojado. Vidraria e teor largados ao relento. Vida despovoada por uma hipocrisia de superioridade.
Vã impressão de felicidade adereçada. Os loucos é que entendem as desimportâncias precípuas. Abraçam com ardor as loucuras das louças velhas. A dignidade do tempo. A experiência e sabedoria das ranhuras.
Vidas de louça a todos! Vidas de cicatrizes sem remendos! Vidas orgulhosas de feridas incuráveis e de relevo eminente! Vidas de toques pedintes e fundamentais a todos os mortais! Vidas com cheiro de tempo a todos os loucamente embebidos de sanidade vital.
THIANE ÁVILA.