ColunistasCOLUNISTAS

Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

A conversa com o silêncio

21/8/2019 - Votorantim - SP

Das coisas mais sublimes que já foram ditas está a atmosfera mística do silêncio. A entonação muda do que não precisa ser dito. O sentido camuflado das experiências despertadas ao som do vento discreto que acha brecha em meio ao barulho. Os significados, os anseios e as respostas estão muito mais no plano da subversão do que em qualquer outro lugar.

Dia desses, estava passeando na calmaria de um domingo. Antevi, no som dos pássaros, a intenção de não ser absolutamente nada diferente do agora. Um recanto entoado da mais perfeita estranheza de tão somente sobrevoar os pensamentos, incidindo, com o corpo, a performance mais instintiva de que somos capazes de ser.

No teor das expressões, estamos todo o tempo procurando fingir sermos o que, de fato, somos. Uma subversão intempestiva dos objetivos confusos no caos das descobertas. O nevrálgico dos tempos é entender que a palavra apenas intermedia as existências. Talvez seja preciso, agora, preocuparmo-nos mais em existir.

A poesia, a meu ver, é a única possibilidade de ser o que se diz. De fazer antes de expressar. Todos os translúcidos refazem as demagogias ao exagerar nas próprias mentiras - e, não poucas as vezes, as fazem resultarem nas mais ressoantes verdades. Não é preciso esforçar-se para crer nos sentimentos e nos resultados que almejamos. O desafio está em desenhar o propósito antes de jogá-lo à sorte do destino.

O esforço é a malícia do pensamento. Ao projetarmos as intenções às coisas que fazemos, mandamos o recado para toda a sincronicidade que nos permeia. Não importa se a nomeamos como fé, energia, feitiço ou simplesmente atração. Conversar com o silêncio emancipa o que há de mais genuíno em nossa estrutura. E é justamente essa potência que canaliza nossos braços à materialidade dos sonhos e à conformação do que desejamos ter por perto.

A estranheza, a meu ver, é fundamental. De normal, já bastam os outros. Falta a admissão do ridículo para configurar as novidades latentes de uma era colocada à mercê das “futilidades”. Preocupo-me com o destino das besteiras diárias - matéria-prima das criações mais geniais de que já ouvimos falar. Via de regra, desacostumamo-nos a ponderar a relevância do discurso em detrimento do olhar e dos gestos. A palavra dita só é válida se servir como um acréscimo às percepções sensoriais mais genuínas. A companhia que dispensa palavras é a mais profunda. Por que precisamos falar tudo?

Nos meus pensamentos mais íntimos, percorro um mar de teorias subjetivamente construídas num híbrido nebuloso de referências orquestradas ao longo da vida. Sou o resultado dos olhos que me veem, amalgamado com a impressão infantil do autofalante que coloco em meus atos. Talvez, se colocássemos lentes de aumento nas orelhas e autofalantes nos olhos, conseguiríamos enxergar a sutileza da arte em cada existência.

Desejo a arte em cada vértebra do meu corpo. Exercito a arte ao olhar para cada função exercida pelos que me rodeiam. Podemos fazer de todos os atos a mais incrível obra-prima. Colocar significado às nossas imprecisões e precisar, de pronto, os detalhes mais simples de quem nos oferta seu tempo. Um trabalho significado é uma rotina transformada em poesia.

Comecemos pelo amor aos domingos, pela paixão pelas segundas-feiras e pelo mesmo ímpeto de existir quando chega sexta-feira. Não quero amar apenas aos finais de semana, tampouco comemorar apenas as manhãs de sábado. Quero ser feliz de segunda a segunda, agregando às pessoas que escolho ter por perto e sentenciando à eterna felicidade aqueles que estiverem comigo em qualquer ambiente.

Conversemos mais com o silêncio para entender que tudo o que temos é o momento que se passa agora. Ressignificar o tempo é tão libertador quanto aliviar nossos dias do julgamento e da exigência sem medida. Tenhamos paciência com nossa passagem, pois, a rigor, se o tempo é agora, tudo está sempre acontecendo. Passar é uma metáfora necessária apenas para compreendermos que sempre é possível fazer diferente e mais uma vez.

 

THIANE ÁVILA.

 

Compartilhe no Whatsapp