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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Cuidado com os defeitos cortados

29/4/2019 - Votorantim - SP

Sou cuidadosa com meus defeitos. A alguns, até dou água vez que outra. Observo seu comportamento como um antropólogo em pesquisa de campo. De vez em quando, chamo um que está mais distante para uma cerveja e, como velhos amigos, desbravamos a noite lembrando velhos hábitos e histórias antigas que vivem em segredo entre nós.

Há defeitos de longa data que ainda insistem em aparecer em fins de noite ou em começos de dias. Não é possível desligar-se por completo de coisas que, durante tanto tempo, fizeram sentido. É que, apesar de esquisitos, sei que alguns defeitos também me acham estranha, mas deles exijo respeito. Até eu precisei aprender a me respeitar.

A grande sacada de estar atenta aos defeitos é entender que se render, por vezes, é preciso. E não se render como uma forma de estagnação, mas como um ato de solidariedade consigo mesma. Falo com propriedade sobre isso, pois já tentei expulsar, aos berros, um desses defeitos barulhentos. Em uma gritaria assincrônica, trocamos ofensas e até alguns tapas entre uma lágrima e outra. Não funcionou, já que a regra do goela abaixo, na maioria das vezes, é um impacto paliativo sobre quem, a rigor, ainda não deixamos de ser.

Hoje, sou cuidadosa até com meus defeitos. Não os ignoro. Procuro entender as tralhas que carregam e, num ato de compaixão, às vezes até ofereço lugar para ficar por mais alguns dias – pelo menos até o mau tempo passar. Despedidas sossegadas são especialistas em deixar ir.

Em um domingo desses de ressaca, quis rifar alguns reflexos da noite que se passou. Num ato de insanidade, escrevi uma mensagem para quem não devia e, como num súbito, entendi que precisaria lidar com as consequências. Triste decisão de um defeito bom. Quem diria que transbordar viria a calhar justamente num dia feio e nublado?

Ando com pressa de tudo, pois não me sinto mais com tempo para nada. As ladaias estacionárias do que não me interessa já não têm minha atenção e, não raras as vezes, recebem até mesmo um esporro para sossegar. Meus dias andam escandalosos e propensos ao engasgo. Simplesmente há coisas que não descem mais. É esse defeito que me acompanha nas noites de solidão literária que sempre me lembram, entre um verso e outro, do quanto o afeto guardado é tralha.

Tenho um cérebro extremamente prolixo e uma boca que se abre para poucas pessoas. Sou próxima das palavras, mas absolutamente distante das coisas que não precisam ser ditas. Alguém já me disse que a feri, embora eu não seja facilmente irritável. Certamente, ela tinha razão.

Sou calma a ponto de querer observar com cautela meus defeitos, mas admito que pensar me consome muito. Eu perdoo logo, mas não esqueço nunca; embora, admito, há poucas coisas de que me lembro. Entre defeitos e desfeitos, prefiro o lugar maleável da descoberta que só uma boa análise de domingo é capaz de ponderar sobre nós mesmos.

 

THIANE ÁVILA.

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