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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Ciclos de domingo

25/3/2019 - Votorantim - SP

Veja bem a hora que o relógio marca. É indiscutível a pontualidade das imprevisões. A indecisão dos contextos, sempre a discutir com as metamorfoses da gente. Ontem, pensei que meus ciclos são sempre aos domingos. Dia de lavar os pensamentos com as palavras, verbalizando, em silêncio, as sinfonias bagunçadas e anacrônicas dos ventos que vêm e vão.

Por ora, resguardo, na mesma caixa de poemas, os versos perfumados das histórias inventadas, misturados com os cheiros de saudade daquelas que são reais. Gosto de me gabar dos privilégios que todo o escritor tem em sua relação com a loucura e com os avessos. A verdade, por vezes, é tão somente uma poesia enfeitada das coisas do mundo. Minhas palavras possibilitam transcrever as sensações com a ilusão de quem entende alguma coisa.

Os domingos se abrem aos meus olhos já na primeira hora da manhã, cantando os acordes mudos dos silêncios que chaveiam e que abrem as resoluções dos ciclos. Fechá-los, não raras as vezes, exige um quê de retórica enxertada. De cigarros à beira da janela e de barulhos silenciosos que saem quando nos permitimos olhar para o espelho de dentro para fora. Repetir os valores e os palavrões do mundo, acreditando fielmente na inconstância de qualquer verdade que seja dita.

Os ciclos de domingo amalgamam as passagens sem a ternura de um cafuné demorado. Colocam em xeque todas as profundezas do ínfimo, problematizando exageradamente as percepções dos amores e das fraquezas. Sou um poço interminável de sutilezas exageradas, de onde falta qualquer filtro para sentir os excessos. O pecado maior dos transbordamentos é a falta de técnica para lidar com todo o resto depois.

Hoje, por sorte, estou decidida a não olhar com tanta dureza para meus dilúvios e delírios. Sou mais paciente com os meus erros, pois já entendi que a força para qualquer desafio está justamente na sensibilidade de enxergar a oportunidade em cada fraqueza. Mais um ciclo se fecha para a entrada de outros. Amores me dão as boas-vindas em esquinas estranhas, prometendo nada além do que se vê no instante em que se encontra.

Já posso cumprimentar algumas versões antigas e reler textos passados. Sou a teimosia que não conhece o arrependimento, apesar de admitir que nem tudo foi necessário. Dos tempos e dos acertos, são os erros que mais entendem. Com a alma comprovadamente envelhecida, encho os olhos da infantilidade essencial para a lida com o sol na janela. Em seus raios de luz, compadeço as divergências nascidas de uma profusão de sentimentos em constante ebulição, ao mesmo tempo em que permito inundar de vazios o que mais escorre pelos tumultos.

Assim, pois, em vilarejos de pura retórica, passeio pelas minhas mudanças e dou as mãos para o tempo que, mentiroso, finge existir. De mão em mão, monto a ciranda das minhas invenções, construindo ilhas à medida em que entendo que não há nada melhor do que reinventar os lugares onde habito. De passagens e permanências, só entende quem permanece durante as idas e quem passa em tempos de memórias. Como geralmente minhas passagens permanecem, já sei que meus ciclos são de domingos. Vez que outra, acontece de, em noites como a de hoje, ouvir dos momentos a leveza de quem entendeu que o exercício de escrever é póstumo, pois tudo o que se lê é memória do que, obrigatoriamente, foi ressignificado depois de ter acontecido.

 

THIANE ÁVILA.

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