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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

A saudade é uma arte

20/1/2019 - Votorantim - SP

A falta é apenas o avesso do ganho. Todas as horas são perdidas, mas, cá entre nós, aquelas perdidas com saudades cheiram à presença e carregam, em si, a nobre obra de construção da perda. Aos poucos, como com tudo na vida, vamos nos acostumando. Sem forçar os minutos, passamos a desfigurar barulhos conhecidos e, com sorte, a não lembrar ao certo dos dias bons das ausências. É que a saudade é das artes mais lindas. Transmutáveis e mutáveis em coro, enfeitando os olhos com sorrisos tristes de lágrimas perdidas.

A saudade é a arte preferida das expressões todas. Grita, em silêncio, todos os sentidos inaugurados pelos detalhes. Sentir saudade, para mim, é como dançar com as palavras à beira da janela, fixando os olhos para o céu carregado de perguntas. Saudade também é a lembrança do cuidado e a memória dos desejos. Perder, por certo, não é nenhuma surpresa. A cada dia, perdemos um pouco de nós para as coisas, para o trabalho, para os amores. A rigor, não nos pertencemos e nada nos pertence. A saudade é a incompreensão sobre a beleza de perder. Ainda bem que perdemos.

A primeira esquina da saudade é sempre a mais violenta. A vontade é a de se debater entre os carros, perguntando a todo o passante as causas de não ter mais. Não estamos acostumados a entender a interdependência das existências, que têm, em si, condicionadas as outras vidas para que a sua própria esteja livre. No passo das lerdezas do ínfimo, onde escondemos o egoísmo inato dos amores não correspondidos, é onde se encontram, a sete chaves, as bengalas rubras do que deixamos de falar. Não acho, contudo, que as declarações de qualquer coisa sejam sempre as curas procuradas. Durante muito tempo, vivi acreditando que o problema da humanidade fosse a falta de comunicação. Hoje, entendo que o problema é a própria humanidade que se comunica.

O alento do poeta é, de praxe, o pessimismo melancólico sobre as dores que existem. Lado a lado da saudade, caminha o pessimismo subordinado aos desmandos do costume. Não que o amor seja amor pela rotina, mas a saudade, essa sim, acaba o sendo por ser uma resultante da rotina dos amantes. Quem nunca perdeu um amor, não é mesmo? Ontem mesmo, perdi o grande amor da minha vida. Estou submersa em saudade e em respostas sem perguntas. Por vezes, é isso. Acreditar nas próprias respostas equivale a depositar as expectativas nas próprias soluções. A saudade é a discordância para o solucionar. É a rima que não deu certo no contexto em que foi colocada. Nem todos gostam de poemas. Para mim, na verdade, os leitores nunca deviam conhecer os seus autores. Sou franca demais para não usar pseudônimo.

 

THIANE ÁVILA.

 

 

 

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