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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

A madrugada é uma conspiração

23/11/2018 - Votorantim - SP

Não há sujeito que me convença do contrário. Não há poema que eu escreva que me faça achar a noite um mero acontecimento ordinário. Há algo a mais a rastejar por debaixo dos copos, visitando o interior das garrafas e terminando seu percurso no alto do cérebro dos historiadores de bar. O escuro do céu talvez ressoe sobre as pestanas dos começos, dando vazão às expectativas sem contexto. Fazendo doer um pouco mais as dores encaixotadas em algum neurônio que teima em parar de funcionar.

Os passos das músicas dançadas são anfitriões às cervejas geladas, cumprimentando os olhares maliciosos e perdidos por entre as luzes de um lugar conhecido. Desconhecido aos intimidados. Reconhecido pela novidade de sempre contar uma nova história. Nas escadas, um desequilíbrio. Na rua, um ombro que segura. Na pista, sempre alguém a beber em conjunto. A conspiração inicia na preparação do corpo em terreno seguro, levando doses mais pesadas ao tal compromisso com a sobriedade - a essas alturas, um rabugento taciturno.

A roupagem das intenções é uma evasão das conversas que destilam sorrisos e cheiram à boa companhia. “Bebe mais uma”, “não fica tão séria”, “aproveita, a vida é curta”. Encurta as noções, a consciência e a vergonha. Desce mais uma. Aquela outra estava batizada, não era tão boa. O balanço suaviza a atmosfera bagunçada das noites que amaciam algumas dores. Vamos, não seja ingênuo em acreditar que um velho poeta irá se distanciar dos seus devaneios, dos seus antigos amores.

Por hora, dividimos os sorrisos para afastar algumas lembranças. Há coisas que valem mais a pena; por isso, é hora de desligar as máquinas de algumas esperanças. O tempo das conversas de bar são a profanação fortuita dos presentes escandalosos. Aos gritos e tombos, criamos novos roteiros. Revivemos o passado com a alegria de quem entendeu o sentido do que não está nem no início nem no fim, mas no meio.

O fracasso das minhas apostas é o requinte do bom papo e das retóricas; afinal de contas, não há como escrever se não houver esforço de viver para se ter novas memórias. Assim, compadeço exigências com o pretexto de um certo combustível. Me parece justo viver a vida de jeitos nem sempre tão digestos, dançando no escuro, por um fio.

As companhias de histórias são as personagens indissolúveis de toda e qualquer escrita. Vivo nos melhores cenários, alimentando minha bagagem com amores e conversas de rua. Vivemos em bando, tumultuando a sobriedade como quem resvala nos horários de sexta em fim de expediente. A rotina é um alarde, e o nosso problema não é a normalidade, mas o fato de que ela não aceita tanto deleite.

Outro dia, cumprindo certo protocolo, nos reunimos para desfrutar de boa música. Uma outra bebida. Sempre um grupo sóbrio. Foi então que me convenci das lombadas conspiratórias: em um minuto, as gargalhadas compassadas. Em outro, alguém em outra estada. Entrecortada. Sem memória. Mais uma história, mais um meio. Foi quando uma amiga me disse: “nossa turma é boa, não há ocasião em que saia todo mundo inteiro”.

 

 

THIANE ÁVILA.

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