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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

O chute embriônico do feminismo

23/10/2018 - Votorantim - SP

Haja visto o tempo das reflexões ante os contextos, as histórias e os descompassos. Haja visto o desparâmetro, o escárnio e o ódio de toda a ordem, configurando nosso semblante aos moldes de quem deita no travesseiro com a ânsia do pior. Nosso desassossego desatinou a segurança, dando gás aos pensamentos mórbidos sobre qualquer coisa parecida com coibição.

À semelhança da história morta, nossa complacência tem se retirado em recesso pelos becos constrangidos, provando a latente, mas sempre operante, consciência de dominação. Ser mulher é, pois, nascer na retaguarda de alguns desmandos, protegendo-se o tempo inteiro das humilhações. Política, econômica e socialmente, cresce no ventre, junto com todos os outros membros, o capuz da inocência cujo formato é dissidente da sujeira que se materializa na objetificação da nossa existência.

O cheiro de podridão tem exalado sem cerimônia dos olhares nas ruas, das recentes legitimações ao que, pasmem, parecia óbvio ser inadmissível pela simples cláusula prevista na ultrapassada consciência humanitária. O chute embriônico do feminismo acontece, pois, exatamente quando qualquer faísca de energia é capaz de promover movimentos inéditos. É quando as mãos se atam por todas que, sem escolha, já não podem mais se levantar, mas que foram sentenciadas justamente por demonstrar esse infinito que paira nos peitos que amamentam, nos corpos que enfrentam jornada dupla e tripla. A força da mulher é um chute embriônico a qualquer voz que queira provar o contrário.

Em dias como os de hoje, em que cada despertar parece um desalinho com a capacidade cognitiva que, teoricamente, nos diferencia enquanto seres racionais, o remanso da memória histórica que teima em não se apagar das mentes de quem sempre fez história traz uma brisa suave que lembra a certeza de estar onde se deve estar. O chute embriônico do feminismo é essa mania de questionar a garfada fria e crua que quer nos convencer sobre uma docilidade figurativa nos púlpitos de microfones desligados. É o momento em que, juntas, choramos a força de carregar nos ombros os preconceitos que se acumulam. As rejeições que se somam e que endurecem ainda mais nossos músculos para seguir em frente.

Por isso, sinto a obrigação de expressar a intensidade embrionária que nos forma, selando, em tempos de ódio, o acordo de amor e de paz que supera qualquer arma. Materializar, pela força empática, o suporte que todas já precisamos ou que ainda vamos precisar nas arenas espalhadas com as nossas causas. Espaços que lamentam, hoje, estarem ofuscados de toda a podridão que ganhou voz nas ruas, construindo a expectativa inversa de tempos férteis a quem almeja o passado. Esse chute embriônico é, agora, a oração que nos contempla e que nos abastece. Coisa de ventre, coisa de mulher.  

 

 

THIANE ÁVILA.

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