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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Queria eu ter o controle das rosas

8/10/2018 - Votorantim - SP

Hoje sou só angústia. Acordei com a garganta fechada. Um sono triste abate o meu corpo, como se, nas pernas, carregasse a carga de todas as nossas mortes. De todo o sangue que já foi derramado para termos alguma liberdade. Nos braços, sinto o embrulho do silêncio enrolado em um pano sujo de hipocrisia, que me obriga a engolir a seco o sabor amargo das justificativas que nunca foram verdadeiras. No fundo, sempre foi para que nós fôssemos anulados.

A cada 19 horas, um de nós é morto. O amor tem nos matado desde sempre, apaziguando com o discurso de ordem a supremacia da imposição acalentada em berço esplêndido. O roteiro transfigura nossa rejeição a cada despasso que a sociedade almeja de modo enrustido, confabulando, com a justiça inventada, qualquer desculpa ornamentada a respeito das existências legítimas. Difamam as causas, perjuram as vidas defendidas em ventre para o descrédito das mortes sentenciadas aos que nascem fora do escopo.

Minha aparência é suja e minhas escolhas são desvios. Temos as mãos pecadoras e as almas negligenciadas pelo deus supremo das incumbências perversas. São as escolas da magistratura histórica que corrompem nossas diferenças, enaltecendo como sã toda a mentalidade promovida a bem-comum. Quão desgraçados são os homens que usam as roupas feitas do asfalto quente que nos mutila. Dos ódios encapuzados de todo o esterco que a humanidade é capaz de nutrir por pura desinformação sobre as reais grandezas do ínfimo.

A miséria assola os pensamentos com a velocidade do voo abandonado dos que não se encaixam. A verdade é que os moldes criados não têm os nossos números. As cadeiras que sentam os representantes não suportam nosso peso, e a bancada dos direitos não prevê as nossas súplicas. Ah, se eles pensassem um pouco mais quando nos acusam de escolher. Se saíssem um só dia nas ruas com a transparência do corpo que realmente lhes pertence, entendendo que os ataques não são formas mimadas de chamar a atenção.

Vejo a primavera estampada nas faces das mulheres, das lésbicas, das putas, dos gays, dos negros e dos pobres. Os pratos servidos são amostrados pelos guetos a que pertencemos, e eles viram réus pelos olhares e pelos abusos. Pela família que entrega nossas vidas em bandejas blindadas de ódio, justificando as margens criadas por artistas desterrados em cantos de rua. Nosso lugar transborda e nossa vazão não segmenta. É pela necessidade do coletivo que nossa existência enfraquece os umbigos costurados em privilégios, dando a poucos o muito que dá e sobra para todos. O sistema extorque nossos companheiros e companheiras, cuspindo enquanto beijamos quem amamos. Espancando nossos carinhos como quem não aceita a mania que temos de dar movimento às pedras silenciadas por tanto tempo.

Não se trata mais de corromper a economia dos bens, mas de economizar os bens a quem não economiza a distribuição dos direitos. Não se trata de repetir os mesmos erros, mas de permitir com que continuemos reproduzindo o que, para eles, é um desrespeito ao normativo. Querem calar nossas vozes, fazendo com que não atualizemos as normas. Pretendem continuar negligenciando nossos corpos, confirmando as binaridades de um sistema doente, de onde a força nasce da opressão dos que, a rigor, sempre significaram força e mudança.

 

THIANE ÁVILA

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