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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Vamos, não chore

27/9/2018 - Votorantim - SP

O primeiro amor passou. O segundo também. Sobreviveu às queixas, às deixas, aos lamúrios. Com certeza, é alguém. Não houve o carro do ano, o amor prometido, tampouco o dinheiro sobrando. Não ouviu a voz do mundo pedindo, num sincero suplício, a chance do antigo instante. Passaram as noites, as bebedeiras. Não tem inimigos, a verdade virou resquício, e o passado, esse foi adiante.

A infância está perdida, mas o coração continua. Não fez a viagem planejada, o dólar cresce à ponta de faca e a menina… Bem, essa nem chegou. Esperou o beijo prometido, quis ardentemente a última noite para lembrar do vivido, mas a vida não fraquejou. Os braços, com o tempo, ficaram mais fortes. A esperança, ainda que sutil, ainda é nobre. E o acaso, bem… Esse nunca te deixou. Ouviu o não inesperado, engoliu a seco, descido por um gole de whisky amargo. Mas veja, não se intimidou.

Houve noites perdidas. Bebidas gastadas a preço cobrado pela ingrata vida, mas o desprezo, esse nunca se criou. Tropeçou na madrugada pelas rejeições de amar demais, retrucou, com beijos, a amarga sina de querer sempre mais. Ouviu os pássaros, em silêncio, cantarem aquela única música. Aqueles cabelos louros, veja bem, sempre serão somente daquela menina. Os olhos pretos se desviaram e a vida abrandou. O peito, por instantes, quase deu-se ao naufrágio, mas, com um mísero cigarro, transformou em poema a descrença que o último amor deixou.

Viveu os sinos da igreja, as obrigações sequenciadas na sarjeta, mas a glória, essa nunca faltou. Em meio aos sorrisos cafajestes, sorriu de volta, foi um alvo em xeque. Transtornou as doses de esperança que ainda encontrou. Pelos becos escuros, colocou o corpo límpido e impuro, à metamorfose das poucas rimas que naqueles versos ainda deixou. Não houve beijo de despedida. Descobriu que o retorno não vem no tempo da própria alforria, mas quis o bem a quem só o mal te causou.

Andou na praia balançada pelo vento, cuspiu no mar os desejos de descontento, e ainda soube emancipar as dores em ondas entrecortadas entre um raio e um suspiro. Não foi a única a querer o fim para o próprio martírio. As tempestades vieram em pequenos goles e, ainda sim, houve lembrança. O tempo bom se fez no outro dia, tal como um café forte em manhãs de pura bonança, relembrou os bons dias de viver com a cabeça vazia, à semelhança de uma criança.

Algumas palavras duras, em voz mansa, te afetaram. Não soube responder à altura, pois, de tão insegura, preferiu deixar a força concentrada em quem é ainda mais fraco. Tua serenidade suspendeu o ódio, trazendo a luz para o próprio gosto insólito com o qual, um dia, alguém te presenteou. À sombra dos erros, arriscou um palpite. Tímida, com receio, quis tapar um equívoco com outro deslize. E então os olhos inundaram, parecidos com os de um poema simples e frágil, as sutilezas das dores que ninguém nunca te ensinou.

 

 

THIANE ÁVILA.

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