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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

E os amores secretos escondidos debaixo dos guarda-chuvas?

22/7/2018 - Votorantim - SP

- Onde estão os amores secretos escondidos debaixo dos guarda-chuvas? Onde estão os silêncios das tardes de domingo em meio a tanta estrada sem viagem? Não me serve o chão sem a caminhada. Não me serve a perspectiva do poeta triste que se afoga nas próprias retóricas. O papel é o chão, e as palavras, a caminhada. Ou melhor, o papel é o céu, e as palavras, as estrelas. Quem escreve é somente a escuridão que faz com que elas brilhem. Me interessa que elas brilhem. E só.

Por entre os espelhos acolchoados de medo, ela trouxe notícias. Escondia o cabelo, brincava ser cedo, mas já chegou partindo. De olhos vermelhos encostados no preto, desenhava os versos. Desistiu das suas tintas, destituiu das suas rimas as estrofes velhas. Em cores de azul, pintava o novo como quem nada sabe. E assim foi chegando, fitando minhas dores, inventando curas. Com o passar do tempo, fui aprendendo a sentir o invisível, a contornar minhas barreiras frente ao desconhecido.

Aquele devia ser o dia mais chuvoso da estação. Elis, sempre que pode, aproveita a chuva para caminhar. Lenta, no ritmo inverso ao dos pingos que caem apressados sobre o corpo. Assistir à sua contemplação sobre a simplicidade da chuva é um espetáculo à parte na vida. Seu corpo, com a roupa grudada marcando todas as curvas e detalhes, transborda como um copo cheio que não para de ser preenchido. Se eu me concentrar, sou capaz de ouvir os versos dos seus movimentos, emergindo toda a ingenuidade de quem não se esforça para expulsar seus conflitos, mas que dá as mãos a eles como forma de transformá-los em combustível para a próxima poesia.

- Tu já provocou o teu corpo a não seguir absolutamente nenhuma lógica nos movimentos? Ao mesmo tempo em que perder o controle parece assustador, a leveza que chega junto com a terceirização natural dos nossos balanços é algo que refrigera o que colocamos como vitrine. A sintonia dos gestos é uma vitrine. É para os outros. Todo mundo tem vontade de ser estranho de vez em quando, mas poucos conseguem não estranhar isso.

Talvez a luz da chuva indique exatamente a sua incapacidade de agir sozinha. É como se fosse um cansaço do céu. Uma trégua ao sorriso do sol. Todos temos o direito de prostrar-se ao que nem todo mundo tolera. Tudo bem não se justificar. Elis sempre foi uma bíblia de irregularidades. Enquanto todos tentam explicar os porquês de suas retóricas, ela escreve retóricas para não ter que justificar seus porquês. Apaixonada e desprendida, mas, ao mesmo tempo, incapaz de esquecer alguém importante. Nossa relação sempre foi baseada na premissa de que nunca será necessário apagar nada. Ocultar nada. O “nós” que surge em uma relação é apenas um imbricamento das particularidades. Uma zona comum. Maior que ela, existe toda uma vida que não vai e nem deve ser deixada em um espaço diferente do que se vive agora. Somos amigas do passado uma da outra, e é isso que nos torna leais a nós mesmas antes de qualquer coisa.

- Acho que o maior desafio das relações atuais é lidar com a história do outro. Com as dores do outro. Tentam achar pessoas curadas quando o barato de viver isso tudo que criamos é a possibilidade de experimentar sermos quem somos ao se embaralhar com outras vidas. Os passados - que nunca passam - se tornam um novo tempo atualizado. E me parece extraordinário viver, por tabela, as implicações de experiências que não participei. Isso me excita e me instiga. Escrevo porque isso tudo não caberia em mim sem que eu pudesse expressar de alguma forma.

 

THIANE ÁVILA.

 

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