ColunistasCOLUNISTAS

Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Você já se demorou nos olhos de um domingo?

1/7/2018 - Votorantim - SP

Domingos nunca foram sagrados para Elis. Os limites do seu pensamento são roteiros perdidos em caixas-pretas completamente desestruturadas. Sem encaixe e sem lugar onde possam ficar. Todas as ideias se cruzam por um fio e, com a mesma facilidade da chegada, partem sem se preocupar com as despedidas. Elis é só partida.

O semblante cansado de domingo me lembra as pálpebras caídas das velhas senhoras sentadas nos bancos da praça que fica em frente ao nosso apartamento. Cantando a vagarosidade da tarde que passa à espera do espetáculo fugaz do sol ao se pôr, elas perfuram, com suas memórias, os cantos mais discretos daqueles que se demoram um pouco a observá-las. São os momentos de lentidão que me aproximam da agonia que sustenta a pressa dos dias. Demorar para ater-se aos detalhes me parece ser a experiência mais sublime que nos é dada, embora frequentemente nos assuste pela falta de prática que nossa geração tem de descobrir. De se interessar pelas demoras que não são nossas.

- Domingo é um dia para não se usar relógio. Uma razão para, acidentalmente, começar a ser feliz por nada. Para ter o tempo contado em lembranças, trazendo à luz tudo aquilo que incha nossos dias de utilidade. Acho que a nossa geração sofre de retenção de sentimentos misturada com ataques fulminantes de vontades reprimidas. Se eu pudesse dar um conselho agora, diria que precisamos olhar mais demoradamente para os olhos de domingo, tirando deles toda a infância que perdemos com essa bobagem de combinar dores ao ato fantástico de mudar o tempo inteiro.   

Para além das amostragens do tempo, Elis recalcula suas vivências a cada atualidade reinaugurada. Presentes feitos para passados de novos inícios. Perdemos tanto tempo criando motivos ao invés de reciclar as experiências. Quando nos conhecemos, lembro-me de ter ficado com a imagem dela em minha mente durante todos os dias que se seguiram àquela noite. Sem saber bem o porquê, ela começou a habitar naturalmente o meu semblante de domingo, que começou a se alastrar para os outros dias. Para os outros tempos. Foi então que percebi que cabem muito mais coisas naqueles olhos pretos do que eu poderia supor. Foi a queda mais inesperada que sofri por puro descuido. 

- Depois de muito tempo, entendi que não podemos nos entregar a ninguém quando a intenção é escaparmos de nós. Os piores dias sempre estarão a uma noite de distância dos melhores, então é preciso ter muito cuidado com os rastros de honestidade com nós mesmas que perdemos por aí.  

Se domingo fosse um adjetivo, ela seria domingo. Com ele, Elis divide a paz presente no fim de tarde, daqueles aconchegados com o colo da falta de pressa, que cai muito bem com um café bem quente ou com uma cerveja bem gelada. Divide também as brisas de verão que batem nos cabelos, misturadas com as reflexões mais intensas sobre o que estamos fazendo de nós e com nós mesmos durante todos os outros dias. Menos no domingo. Elis é, como ele, o intervalo das coisas superficiais. Algo sobre o qual o tédio nunca terá espaço. Onde a demora equivale a prazer e onde o nada se torna mais interessante do qualquer outra coisa que se possa querer. Mas também é preciso que se diga que Elis divide a tensão que antecede a semana à medida que o dia se despede. É a melancolia da despedida, incapaz de ficar além do seu tempo. Não se pode prender, por mais que se queira, um dia de domingo. Com ela também funciona assim.

 

THIANE ÁVILA.

 

Compartilhe no Whatsapp