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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Só mais um conto de domingo

10/6/2018 - Votorantim - SP

- Sou o princípio do outono que se ancora na insuficiência de ser o que não conheço. Minha potência é resguardada no anonimato, cuja chave nem eu mesma possuo. Entre o claustro, inauguro minha luz suprema no recanto mais escuro dos becos da vida. Gosto da vida silenciosa de quem não precisa alastrar-se para ser visto. Gosto de vivências de campo na cidade.

Quando me demoro a olhar seu silêncio, percebo que sua mente é o embaralhado mais movimentado da sua quietude. Emblemática, direciona seu olhar sem julgamentos a qualquer um que passa, estudando seus movimentos como uma antropóloga em pesquisa de campo. Já deve, por certo, ter chegado à conclusão de que o homem é tão irracional como qualquer outro animal, embora não procure externar seu descontento para não se entediar com as próprias deduções. Elis sempre fala que há observações que não merecem transformar-se em palavras, pois as palavras exaladas vão embora com o vento e, sobre o vento, ninguém tem controle.

- Guarda o que tens de amargo na própria garganta, pois não sabes das alergias daqueles que, por descuido teu, podem vir a engolir teus esbravejos.

Uma médica da alma em potência. Uma cintilância escondida e tímida dos que têm dúvida. Ela nunca foi de permanências. A cada deleite de entrega, é como se apertasse no peito a própria despedida. Elis sempre preferiu jurar adeuses a jurar para sempres. Nunca acreditou no infinito, ainda que fale muito sobre ele.

- Os intervalos são o que temos de permanente. Eles sempre estarão lá. No nascimento. No amor. No sofrimento. No sorriso. Até chegar a morte. Tudo o que acontece entre nascer e morrer é intervalo.

Elis é como se estivesse no canto da sala onde todos dançam, contemplando todas as danças ao saborear as diferenças no mesmo ritmo. Destelha seu teto das concepções criadas sobre os passos, deixando com que o som invada sua mente e guie a sincronia do seu pensamento de um modo tão sutil quanto forem as diferenças dos dançarinos. A respeito das peculiaridades, certa vez, em uma festa a que fomos, a indaguei sobre o jeito tão particular que é o dançar de cada um. Não entendo, e isso é genuíno, o parâmetro utilizado a uma dança de qualidade e a uma desprovida de talento. Se cada dança corresponde a um balanço próprio de corpos que não são iguais, não há fundamento para a classificação de bons ou maus dançantes. Ao que Elis me responde…

- O preconceito é um amontoado de afetos dos quais não conseguimos nos desfazer. Movido de passionalidades herdadas ou não, ele conta nossas restrições e limites. Dançar é um limite sobre o controle do próprio corpo, que se atrela a um corpo estranho que não nos pertence, a música. A dança é a junção dos diferentes; por isso, será sempre alvo de julgamentos.

A estranheza de Elis me afaga nesse mundo de gente que tenta atingir as expectativas dos holofotes. Me tranquiliza saber que existe alguém despreocupada com a lucidez de suas palavras, desde que, para ela, façam sentido. Na verdade, Elis não tem como essência a procura por sentido. Ela procura, inclusive, dizer sempre que não possui essência, pois quem está em movimento não pode ser essencial.

 

THIANE ÁVILA.

 

 

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