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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

O amor é tudo aquilo que a gente disse que não era

26/2/2018 - Votorantim - SP

Como num súbito, captei os sinais e li do avesso e de trás pra frente tudo o que era dito. É uma deselegância, eu sei, mas o meu silêncio é uma atividade intensa de observação e coleta. Faço roteiros mentais das circunstâncias e, cada vez mais, me convenço de que eu estava certa. De repente, eu conheci toda a sua história: ela sempre viveu com pessoas que não a conheceram de verdade.

Não se trata de dissimulação. Não tem a ver com máscara social. Não conhecer alguém de verdade às vezes equivale apenas a não estar disposto a ir tão fundo. Eu já sou ridícula normalmente, mas, quando gosto de alguém, sou ainda mais. Todo mundo percebe no jeito de olhar e na forma como, quando gostamos, queremos genuinamente ser agradáveis. Ridiculamente agradáveis. E então, em raros momentos de sanidade, percebemos essa tolice e nos embebedamos de uma segurança tão passageira quanto o minuto em que acreditamos ter passado tudo.

Mas o fato é que a vida só pertence a quem vive. Há sempre outros caminhos, outras histórias, outros trajetos. A luz que procuramos pode não ser aquela na qual estamos focando no momento. E luz forte embaça a visão. Talvez seja isso: visão embaçada. E talvez seja um inferno mudar o foco. O foco nunca é uma boa alternativa. A periferia sempre me contemplou mais; no entanto, admito que às vezes é difícil dispersar. No momento, enquanto acrescento detalhes à história que desvendei, chamo em silêncio as coisas suaves. Gostaria de encontrá-las agora, pois às vezes me sinto horrorizada com tudo o que vejo.

A grande verdade é que o rádio toca todas as canções de amor, enquanto o celular permanece mudo. As paredes não saem do lugar e nem aproximam quem queremos. Estáticas e insensíveis. No fim, o amor é tudo aquilo que a gente disse que não era. Um farol aceso em nossa direção, que confunde a vista e faz andar meio em descompasso. Ele é uma freada brusca quando tudo parece estar tranquilo, desestabilizando o equilíbrio e deixando alguns arranhões ou ferimentos mais graves pela força da batida - isso depende do quão distraídos estamos.

De vez em quando, como quem acorda com aqueles espasmos que o corpo dá na madrugada em meio a um sonho e outro, penso em como é bom não odiar ou mesmo esquecer as pessoas com quem falhamos. O amor é essa droga que entorpece e tirA do eixo, que faz com que nos sintamos sempre vulneráveis e desprotegidos. Peço desculpas aos românticos, mas o amor é tudo aquilo que a gente disse que não era.

Nada nunca está totalmente certo. O modo como nos portamos, a maneira como olhamos e a importância que destinamos às coisas. É sempre um desequilíbrio, uma força que não explicamos. Nunca está completamente certo o jeito como as músicas tocam e a sua audácia de falar exatamente o que sentimos. Nesses momentos, percebo que dizer que todo mundo é especial significa, na verdade, que ninguém é. Não sentimos mais o peso das nossas palavras, e as pessoas parecem cada vez mais escorregadias. Acho que por isso que me sustento na escrita, pois sua abstração é tão perene que, ironicamente, me faz sentir ser a única coisa sólida que existe.

E depois de tanto pensar sobre a falta de sentido do tanto que isso tudo tem, de uns tempos pra cá passei a sentir uma necessidade social de aconselhar quem, por ventura, venha a me ler. Aconselhar a viajar para o Tibete, comprar uma carreta ou então estudar a vida dos monges. Fazer um mochilão no deserto, colecionar pedras coloridas ou então pular de uma montanha só pela adrenalina. Adote um macaco, aprenda a fazer tricô e leia o horóscopo todos os dias. Gaste toda a sua energia fazendo queda de braço ou correndo em círculos para não ter de pensar. Faça qualquer coisa, mas não escreva poesia. É um caminho sem volta.

 

THIANE ÁVILA.

 

 

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