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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Solidão de casa cheia

7/1/2018 - Votorantim - SP

Dentro de casa, antecipo minhas ações com a conversa perdida das palavras que caminham pelos espelhos. Me faço de vitrine para meus passos, orquestrando, na primeira hora do dia, o roteiro que planejo para, por alguns instantes, não ser cumprido com a rigorosidade dos meus autojulgamentos. Sou a anfitriã das minhas críticas e a protagonista das expectativas enjauladas. A mente por vezes age contra o próprio corpo, em busca de uma paixão dessas que tudo aniquila e a visão atrapalha.

A liberdade de pensar e difamar os conceitos criados, gerando conflito com as paredes que contam a minha história e de todos os momentos passados nesse quarto. Cultivo rachaduras e não conserto o que quebram no apartamento. Tenho um vidro quebrado que é localizado ao lado de minha cama, que me traz um vento carinhoso madrugada adentro. Gosto das memórias no piso marcado, trazendo ao meu presente aquilo que ficou no passado. O espelho possui arranhões de intimidades divididas – é como se fossem o retrato de certos sorrisos que têm o poder de embargar minha voz e fazer dos olhos uma sensação de leveza e nostalgia.

Agora, por exemplo, estou escrevendo à meia-luz do meu apartamento – que sempre me dizem ser de motel. As janelas abertas e a liberdade do corpo despido, apenas eu, meu whisky e a luz sutil que vem do céu. Os pensamentos divagam e tomam forma pelas palavras que despejo no bloco de notas salvo no celular. Sou daquelas que a escrita não tem hora – pode ser romanceada pelo clima da noite ou rascunhada num reles guardanapo na mesa do bar. Tanto já ganhei pelos bilhetes deixados – sim, ainda gosto de iniciar conversas com poesia, entregando à moça um papel escrito a próprio punho com a assinatura marcada pela mais descuidada caligrafia.

A combinação perigosa dos desejos despejados em linhas diz respeito ao poder que um poema tem sobre as memórias. Cada noite que termina me espera com as palavras fervendo, loucas para sair da cabeça e compor mais uma das minhas retóricas. Há quem se repita nas entrelinhas dos últimos versos, balançados por uma brasilidade que sempre será a melodia. Conto um presente embrulhado sem destinatário, emano à literatura a incerteza sobre o destino e sobre o que quero para o próximo dia. Os sentidos afloram e a mente se perde nos próprios devaneios – quando passei a morar sozinha, percebi que a solidão é simplesmente um laço que criamos com o silêncio do nosso mundo inteiro.

 

THIANE ÁVILA.

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