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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Escrever é enfiar o dedo na garganta

4/8/2017 - Votorantim - SP

A arte de colocar as palavras para fora equivale ao desatino de uma noite promíscua de sentidos. A transparência de conseguir incidir sobre todos os roteiros ao mesmo tempo, deixando as ideias vagarem livres pelos recantos da própria existência. Sem pertencer a nada senão à insanidade de procurar sempre e cada vez mais uma forma de libertar o que prendemos sem sentir.

A confluência dos pesares, por vezes, corrompe as forças como quem, com violência, tortura as noções sobre as próprias certezas. Escrever é a liberdade das armaduras, tornando disponíveis os avessos, a estratosfera dos pensamentos. A escrita é intangível e a ordem, incôntida na busca pela classe. Pela supremacia dos significados de cada posição.

Quando escrevo, sublimo a covardia sobre minhas fraquezas, desabafando com o papel as imperfeições que remontam minha caricatura. A exposição que disponibilizamos na vitrine das convivências é quase sempre guiada pela conveniência de estar. Poucos conhecem o que há dentro da redoma. A sensibilidade é a palavra nua. A nudez, então, talvez seja a poesia por trás do ato de colocar, deveras, o dedo na garganta para romantizar as agonias e as alegrias do peito.

Sou a ideia libertária presa em textos e sujeições semânticas suportadas nos neologismos que me dou o direito de criar. Sublinhada pela elegância da disposição em linha, distribuo as palavras como quem busca suportar a realidade com a maturidade de uma criança adulta. Com o desprendimento de saber que, a cada manhã, é apenas mais um dia que se inicia - e que dele podemos fazer tudo o que quisermos.

Há muito tempo escolhi o lado subversivo da força. Contive gritos e convulsões existenciais pelo crescimento da expressão. Pela libertação das palavras que, com linhas tênues entre o real e o real imaginário, desatinavam minhas obsessões em doses homeopáticas de transgressões socialmente aceitáveis. Enlouquecer sintaticamente ainda é permitido. Meu projeto em andamento vitalício se trata de uma gramática escrita com pena e tinta de sangue. Ninguém se importa se os berros forem escritos. Se as mortes forem romances.

A hipocrisia sacramentada em nosso tempo é a prova legítima de que mentir é permitido se for feito sob a hermenêutica artística. As verdades, tantas vezes duras, também se sensibilizam com a expressividade de um texto bem escrito. Escrevo, muitas vezes, com a força de quem joga pedras e sou lida com a perspicácia da beleza enrustida pela colocação arranjada das palavras e contextos. Escrever é um dedo na garganta porque nos permite sermos suicidas sem morrer. E sermos, principalmente, homicidas sem, de fato, matar.

 

THIANE ÁVILA.

 

 

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