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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Socorro, alguém me dê um coração, que esse já não bate, nem apanha

28/7/2017 - Votorantim - SP

E parece que chega um momento que, de fato, a gente cansa. Se desgasta com os jogos, a falta de interesse, o tempo escasso. Vítimas e atores de uma realidade líquida e promíscua com os próprios interesses e sujeições. Criamos certezas para desmistificar a insegurança de viver num limbo absoluto, de onde não se sai sem arranhões e com alguns pedaços do coração deixados pelo caminho.

Minha estrada emocional tem me deixado cansada ultimamente. Tenho conhecido tanta gente, me apresentado tantas vezes. Repetidas vezes, minha história vem à tona para se tornar parte de algum pedaço da vida de um novo alguém, naquela imbecil esperança de, finalmente, fazer sentido. De, quem sabe, ficar por mais que algumas horas na tela de um celular ou na companhia gelada de quem só está ali para mais uma noite.

Sou também criadora de histórias líquidas, suprimindo certas vontades na esperança de, aos poucos, conseguir colecionar informações o bastante sobre a vida para poder contemplar verdadeiramente o estar com alguém. E a pessoa às vezes existe, mas tumultua de estranheza os machucados que não estão acostumados a serem remediados. Como uma doença autoimune, expulsamos cuidados e voltamos para dentro. De novo e outra vez mais.

As noites de boemia me ensinam grandes lições simplesmente por mesclar extremos que nos são tão íntimos. Entorpecentes criados para dar voz ao que está abafado, gerando conflito entre a razão e a emoção. A bebedeira como uma passagem comprada às vontades camufladas. No fundo, a busca por goles de significado e de distração. Algumas risadas, boas conversas e nada mais.

Meu interesse tem terminado tão rapidamente. Minha paciência com as conquistas, os jogos de sedução e tempo desperdiçado até as duas pessoas fazerem o que, afinal de contas, queriam desde o início fazer. Vivemos em tempos de procrastinação de vontades por preguiça do longo prazo. Somos tão covardes em pensar no amanhã, que vivemos o hoje com a ansiedade de um sentimento de despedida.

Sempre acreditei que o relevante se trata, realmente, dos segundos vigentes. E nada mais. Nada mais existe além do que se infere no momento que se vive. Mas, ao mesmo tempo, sinto tão tóxico esse discurso com o qual nos habituamos sobre a autossuficiência. Há tempos não experimento a lente dos apaixonados e dispostos a desbravar os muros dos riscos para viver um para sempre inventado só para acabar sem previsão.

A grande verdade é que a falta de proximidade também sufoca. A distância também machuca e o silêncio também ensurdece. Sinto a culpa e a dor de uma realidade posta. Sinto a tristeza dos oprimidos e a arrogância dos opressores. A dor dos machucados e a maldade de quem machuca. Ao final, em maior ou menor grau, sempre seremos quem escreve e quem lê. Não há vítimas ou culpados, mas vítimas cheias de culpa. Seguindo assim, clamo, como Arnaldo Antunes, que alguém me dê um novo coração, pois esse já não bate, nem apanha.

 

THIANE ÁVILA.

 

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