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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Escritos no ar

9/6/2017 - Votorantim - SP

Os segredos que escrevo no ar são como melodias desencarnadas e sem vestígios. Postos à sorte das desventuras romanceadas dos lares, do metrô e das imersões das janelas dos ônibus. Escrevo, pois, como quem assopra ao universo um carinho despretensioso, daqueles que iniciam pelo fim. Amalgamados pela rotina de não precisar estar, mas querer ser. Significando e ressignificando, numa teia tecida pela inauguração sutil dos sentidos e das sinestesias que, vez que outra, esquecem de sentir.

Não há melhor explicação para os olhares que se encontram do que a aura das palavras escritas no ar. Gosto de crer na existência etérea da fugacidade, justificada exatamente pela passagem despercebida. Atravessa o sorriso das crianças, as brincadeiras maldosas e as ingênuas. São nivelamentos de saudade, intempestividades de uma ânsia que não pode extravasar ainda - ou que não se permite que saia. Sufocamos pela teimosia de se exaurir, de despencar e não cair. O equilíbrio doentio de uma era que não sabe se jogar, de fato, na loucura de não representar o que se é, mas de ser o que se representa.

Nesses dias de pouca cor, crio para o mundo as tonalidades cinzentas que são capazes de colorir as mãos e os olhos. Letras dispersas em movimentos aleatórios rumo ao céu, dispensando qualquer lógica para que sejam reais. Para que se façam valer. A imaginação é apenas uma ramificação da realidade. Perdemos, pois, a sensibilidade metonímica de acreditar no intangível, de variar de acordo com a perecibilidade. Transmutar, ao meu ver, equivale ao exercício de realocar, sempre que necessário, as partituras de uma verdade própria e conformada do jeito que se quer, sem compromisso com a credibilidade endurecida de uma época que não toca para sentir, tampouco sente para tocar. Corações afastados pelo muro da autoafirmação e do ego que sustenta os corpos já caídos.

Antes de dormir, então, sugiro a oração dos inconformados vivos. Enviando mensagens subliminares pelos canais escondidos de algo sobre o qual nada sabemos, a fim de enlouquecer pelas vias mais belas de uma vida que se tece pela busca de sentido - aquele que nunca encontraremos se não construirmos. Talvez, quem sabe, o cancro se estruture pela face distorcida de uma percepção seletiva e cruel. É difícil, eu sei, pôr à prova os próprios argumentos, mas mais difícil ainda é engolir as verdades pelo preço da solidão e do engessamento. O enquadrar é a realidade inevitável, mas os contornos somos nós quem antecipamos. Abrir mão das grades e passar a escrever no ar me parece a alternativa mais razoável de conseguir voar sem asas e de viver o imprevisível pela sensibilidade de não saber absolutamente nada sobre o caminho.

 

THIANE ÁVILA.

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