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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

O que pensam de nós não é problema nosso

3/4/2017 - Votorantim - SP

Em lampejos de sanidade e pureza, aos poucos vamos aprendendo que qualquer opinião que temos de alguém é apenas nossa. Qualquer projeção que fazem a nosso respeito, apenas deles. Carregar o fardo de se adequar a cada crítica ou acusação infundada é mais desgastante do que qualquer maratona. Deixar que penetrem nosso psicológico e nos manipulem a ponto de acreditarmos ser o que sabemos não sermos é no mínimo frustrante. As pessoas poucas vezes sabem dosar suas palavras ou filtrar seus ressentimentos. A maior parte do que ouvimos a nosso respeito é apenas uma projeção do outro em nós. Tudo produto de uma existência que ainda não se serviu do prato da autoavaliação. 

Vivemos uma vida inteira cumprindo prazos, seguindo regras e atendendo nem que seja minimamente às expectativas. Mesmo que transgressores, andamos sobre uma linha mais ou menos demarcada, que nos permite a inserção parcial para sobreviver às engrenagens. É difícil, mas, em certos momentos, é preciso tapar os ouvidos para certas queixas e procurar dentro de nós mesmos as explicações que faltam ao redor. Depender da palavra do outro é uma mazela, pois só conseguimos oferecer ao externo o que temos dentro de nós mesmos - e se não dermos a sorte de esbarrar com quem tenha algo de bom com que nos agregar? Geralmente os polos se atraem e alguém sempre sai machucado.

A grande dificuldade dentro disso tudo talvez resida, mais uma vez, na nossa incapacidade inata de mensurar e equilibrar. Os filtros distorcidos e a insegurança sobre em quem confiar. Não se trata aqui de rejeitar as críticas, mas de adquirir maturidade o suficiente para que saibamos administrá-las, interpretando, aos poucos, o que nos cabe. Levando na bagagem o que faz sentido e adquirindo a capacidade de simplesmente descartar o que sabemos que foi exposto apenas para abrir feridas em nós - ou para fazer doer dentro do peito de outro como forma de aliviar a própria dor. Enquanto seres que constroem a própria identidade ao se identificar com as coisas do mundo, as pessoas entram nesse pacote e, não poucas vezes, herdamos cicatrizes de terceiros. Fundamos tristezas desnecessárias e alimentamos medos que nos deram para criar.

Sempre fui boa ouvinte. As histórias alheias tomam o formato de iniciativa aos meus dias, levando-me a perceber que, embora minha dor seja grande, há tantas outras maiores. Há tanto que doer ainda. Meu programa preferido nos momentos de desolação existencial é justamente sentar-me num café com alguma amiga, destilando meus desamores e escutando outras histórias. Relatos de vida, pessoas que não souberam lidar com a escuridão do próprio sofrimento. Reacender as luzes não é tarefa simplória. Não está, pois, ao alcance de ninguém dar conta de encontrar no outro o interruptor de que precisa para voltar à lucidez. Nem sempre ela está bem constituída e pode ser fatal apressar a volta.

Quando entendemos, nem que seja por breves instantes, que a vida é formada tão somente por rebeldia e teimosia de erguer-se uma vez e outras tantas mais talvez não passássemos por tantos buracos antes de aprender a desviar. O fato é que essas coisas só se aprendem com a lida, com os tropeços e os joelhos ralados. Como criança, não desistir da brincadeira por ter se ferido. Há vezes em que o tombo não é tão superficial, mas, ainda assim, escolhendo outra brincadeira ou voltando para a mesma, o importante é não parar de divertir-se. Não desistir das companhias, nem mesmo daquela que ajudou a agravar a queda. Os machucados servem para lembrarmos como foram ocasionados - cabe a nós aprendermos ou não com eles.

 

THIANE ÁVILA.

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