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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Das coisas que não são para acontecer

17/9/2016 - Votorantim - SP

Às vezes, por impertinência do tempo, por clausura dos acasos ou por arrogância das coincidências. Sem mencionar a rebeldia dos passos, o conflito das horas e a indelicadeza dos compromissos. As vestes muitas vezes não servem, os rostos não se olham e os olhos não se veem. Pode ser pela penteadeira cuja entrega atrasou, impedindo a moça de encontrar sua moça na mesma hora no corredor. 

Não duvido que às vezes a agonia, a brevidade e o efêmero ocasionem o desencanto. Aquela coisa de final de tarde, de manhã que se estende ou de neblina que ofusca. Não raras as vezes não acontece por confluência notória de interesses, por presunções de desencaixe ou por falta de interesse no que possa acontecer. Um botão que cai na hora errada, um cadarço que desamarra na passagem da outra aura ou a luz que se apaga no momento em que os ombros deveriam se esbarrar. Às vezes batemos e por instantes não vemos que a hora acabou de passar. 

Um assobio fora de hora, uma mão que não encontra a outra pela demora, uma visão embaçada pelo desuso dos graus ou uma tristeza em dia errado no mesmo lugar, mas com diferente astral. Pode ser que seja pela rotina desencontrada, pela solidão em companhia que se revela ou então pela brisa que se confundiu com o que poderia ser chuva e não era. Nossos tumultos por vezes a bagunçam, não deixando nem mesmo os detalhes passarem. Marcamos compromissos, adiamos a vida pelos riscos, e deixamos as melhores surpresas, como que em sopro, de nós se desvencilharem. 

Nossa pressa pelo almoço, nossa corrida pelo sono. O medo de perder, o rancor de não conseguir consumir e pertencer. Todas as brechas de insanidade reprimidas, gerando o dessabor das intempéries da própria rotina. Reduzimos os recursos de felicidade em termos de dinheiro em lugar de cumplicidade. As esferas vazias são logo tapadas, as ocasiões sonhadas são, do dia para a noite, desmarcadas. Não entendo, admito, nossa contradição de não ser o que queremos, de modo a vivermos, diariamente, como que em fuga pelo que ainda sequer veio. Pobres coitados de espécie ressequida pela falta de comprometimento. Existimos, habitamos, mas esquecemos aquilo que deveríamos levar dentro do peito. Das coisas que não são para acontecer, noventa por cento não acontecem porque não deixamos sequer nascer - ou esquecemos de alimentar para sobreviver. 

 

THIANE ÁVILA.

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