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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Escopofilia

18/8/2016 - Votorantim - SP

Mais ao norte, de onde saem as tempestades verdadeiras da incredulidade. De onde enaltecem os argumentos da serenidade e do desvelo. O desprendimento, pois, de uma vigilância sem requinte. De uma visibilidade acolchoada pela falta de glamour e pelo excesso da falta. Nesse terreno, rarefeito de exageros e tomado por vontades que transbordam, encorajam-se aqueles que, pelo olhar, atordoam as manifestações mais íntimas do que se aproxima de alma e sincronia. Pelos olhos, a completa diacronia das bagunças que nos invadem, tomando conta, por milésimos de segundo emancipados em vida inteira, do motivo essencial de continuar olhando.

Não há motivo mais inerte ao apaixonado os olhos de infinidade e a amplidão de uma nostalgia quase ressequida de saudade. Saúdo a intempestividade das perdições confabuladas em silêncio e em distância de corpos. Colados, pela presunção do detalhamento, através da retina que tira do eixo qualquer possibilidade de chão e de linearidade. Como quem escolhe o breve de mãos dadas com o eterno, de modo a imortalizar o que apenas uma ação ou sua falta podem tornar impermeável. Não quero, pois, eternizar minhas singelezas, como quem contempla as predileções ao invés de invadí-las como que em um ímpeto de insanidade brutal. Olhando, então.

Invado, sem meias palavras, o interior na maior das brutalidades, guarnecida e justificada pela sutileza de uma necessidade indigesta. Creditamos o que precisa, aos olhos externos e grupais, ser creditado. Na individualidade, angariamos os elementos, no silêncio da intimidade violenta, para maximizar o pormenor voyeuriano. Quase doentio o olhar que desperta, no corpo, o subliminar desejo de manter-se observando. Minha escopofilia entardece com a pressa dos que não sabem chegar. Toda e qualquer resposta, no corpo e na mente, na vontade e no retiro, têm sua chave na abreviatura eufêmica da troca circunstancial interminável de um olhar profundo sobre as linhas que circundam as brechas de um ser que se dissocia por ser simplesmente o alvo maior do desejo compulsivo dos olhos.

Dormindo ao meu lado, resplandece a magistratura desse arremesso insano e invasivo de um face a face letal. Destilo o veneno manso do esplendor do meu olhar amaldiçoado pelo que vê. Confundido, em vias de fato, pela sutileza de cada linha que contorna o rosto. De cada marca deixada pelo nascimento ou pela vida. Prestes a partir com a morte ou a se recosturar com as experiências. Assim, desbravando o terreno da existência que seduz, com os olhos, encosto toda a intenção indelicada de estar perto e de possuir. Essa intermitência, em segredo, perpassa o pensamento em forma de carícia e ousadia. Ousados sejam os olhares para além das aparências. Queridas sejam as aparências para além dos olhares. E, assim, num vício incorrompível de querer ver ao tocar, que se possa tocar com o olhar a intimidade permitida de quem, dada a honra de vermos, nos deixa, sem pressa e sem receio, explorar, com a retina, as mais íntimas das intenções.

 

THIANE ÁVILA.

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