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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Nada além de estupidez

10/6/2016 - Votorantim - SP

Nos roteiros transcritos pelas vontades estampadas na face, vejo, semiologicamente, a tradução que o fenômeno pode dar ao sentimento. Que a alegoria, misturada com tantas consternações intrínsecas à própria tentativa de fazer-se notar feliz, pode carregar qualquer coisa nos espaços pequenos que formam os intervalos das vivências. Em cada gesto, a fenomenologia das impressões, das angústias e da procrastinação do improvável e do impossível. Evitamos viver a dúvida para não corrermos o risco de acertar no erro desconfiado. No escorregão previsto. Mal sabemos que, ao final, levantar pode ser mais vertiginoso do que continuar em linha reta.

Ao aprender a perceber as pessoas pelo tom de voz e pela rispidez, desde que se esteja aberto, é possível estabelecer contatos íntimos com o desconhecido. Emancipar, apenas pelas brechas inconscientes que a estupidez deixa pelo caminho, as faltas e frustrações de quem sente muito. O erro de evitar as passagens e o sofrimento ressoa no peito abafado que não consegue silenciar. Os gritos descontextualizados são armaduras criadas pela falta de tato com as próprias divergências. Não saber lidar consigo mesmo é decisivo para não querer lidar com o outro.

Por onde passo, sou geralmente o alvo dos desabafos. A pontaria certeira para assimilar as loucuras, de modo a suavizá-las nos braços ao insistir em quem resiste. Meu olhar, perdido no vazio de quem não retribui, parece preferir contemplar a imensidão do que ainda não foi descoberto. O sofrimento, por certo, passa a ser inerente nesse caminho sem volta pelos desgarrados. Mas, com o tempo, entendi que o meu propósito talvez seja o valor do outro em detrimento do meu. Um para-raio que fica de escanteio, empenhado em não sair jamais dali, pronto para amenizar as tempestades e a dividir o estrago.

Cansa, é verdade, a rotina de amor subjugado, de falta de reconhecimento sobre o sentido. Acontece que, no final, não se trata do egoísmo da vitória sobre sabe-se lá o que, mas dos resultados do caminho. Dos sentimentos inaugurados. Oportunizar, pois, amor a quem vive longe dele. A quem não saiba amar – ou que não aprendeu a reconhecer o amor. Nessa imersão sem garantias e sem volta, estabeleço, como fim, a busca pelos desgarrados, amando-os. O pretexto para continuar pelo simples fato de não obter retorno.

Num paradoxo constante sobre falta de reciprocidade, recrudesço a missão pelo improvável. A serenidade dos avisados lembra-me da estupidez dos desassistidos, com a diferença vital da correspondência. Aos poucos, o entendimento recai sobre a vontade única de não sair da zona de desconforto. Acostuma-se, pois, com a adrenalina de despertar algo diferente em quem esquece de sentir. O perigo, no entanto, reside na conquista terceirizada do objetivo: preparo o terreno e, quando está apto ao cultivo, acaba escolhendo outro para iniciar nele a semeadura. Nessa novela, o que resta é despejar o sofrimento em saudade, compreendendo, sempre e outra vez, que o amor é a sorte dos desavisados. Talvez eu esteja aqui apenas para avisar.

 

THIANE ÁVILA.

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