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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Coisas que só nós precisamos saber

13/4/2016 - Votorantim - SP

Ninguém sabe, mas ainda guardo um blusão amarrotado, daqueles de inverno rigoroso, o mais confortável e surrado. O mais velho e desgastado. O que você mais gostava e usava. Peguei escondido e você não deve ter se dado conta. A intenção foi boa. Entendi o fim, mas não quis abrir mão do seu cheiro. 

Você não pode mais perceber, mas eu mantenho hábitos tipicamente seus. Como algumas coisas com as mãos, faço misturas improváveis na comida. Baixinho, repito pra mim mesma aquilo em que quero e preciso acreditar. Como você, perdi o hábito das calças em casa. Adormeço ouvindo Perota e às vezes lembro do café da manhã. 

Não sei se você lembra, mas costumávamos cultivar o hábito de nos olharmos nos olhos durante algum tempo antes de dormir, só pra confirmar o que nem era necessário. Só pra nos vermos através da retina uma da outra. Ficávamos mais bonitas assim. Inegável. 


Ao pensar sobre velhas concepções, estarreço-me sobre o quanto mudei. Me atordoa persistir em velhos pensamentos. Embora necessário ao ser que me transformei, meu antigo eu ainda me assusta. É como um fantasma de vida distante. Como um desbotamento agressivo da cor que eu, tudo e todos me pintam hoje em dia. Você ajudou a me colorir. 

Sei que de tantos aspectos e planos, nenhum se manteve. Há coisas que ninguém precisa saber. Há roteiros lindos e desperdiçados diariamente. Poderíamos sim ter compartilhado muitas possibilidades de vida. Foi com você que eu acreditei em vida dividida pela primeira vez. Não me importava com a sua bagunça, pois era como se ornamentasse minha organização. Como se perfumasse minha passagem mais serena e reta pelos lugares. Continuaríamos a nos completar como sempre foi. 

Não sei se já me acostumei com a sua ausência de fato. Durante muito tempo, achei que sim. Mas, sabe, vez que outra, seu cheiro volta. Sua voz ressoa surda em meus ouvidos. Deito, olho para a parede e sou capaz de enxergar seus olhos. Não sei bem ao certo em que ponto nos perdemos, e acho que nem vale a pena tentar encontrá -lo, embora ainda exista muito de você em mim. 

Abraçada no seu blusão velho e surpreendentemente encharcado do seu perfume, contento-me com as horas em que pude contemplá-lo com você dentro dele. Com certeza não sou mais apaixonada por você. Mas, sem sombra de dúvidas, fará parte da minha vida para sempre. 

 

THIANE ÁVILA.

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