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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

O encanto se perdeu

27/1/2016 - Votorantim - SP

Em algum lugar, por entre algum amontoado de lembranças. Por entre a bagunça de um ser incompreendido. Ou então entre as tralhas de recordações incubadas e renegadas. Desamores enjaulados pela ânsia de querer. Circunstâncias enobrecidas pela vontade de um só ser. Talvez em toda a magistratura da falta que a reciprocidade pode fazer. Em algum recôncato de mistério, esquecido por tanta quinquilharia sem importância. Lá, quem sabe lá o encanto ainda esteja.

O fato é que não é de só de amor que uma relação se sustenta. A afetividade é a contemplação da parceria em consonância com o consentimento do toque. Com a interpretação às vezes torta de um olhar. A boa vontade, pois, que justifica qualquer falha ou ausência. Querer significar não basta, e não é testando a paciência e a persistência do outro que a receita terá êxito. Todo mundo uma hora cansa.

A abusividade de um envolvimento que só espera é a mesma de uma troca sem valor. O encantar-se pela emoção é tão perigoso quanto a entrega de olhos fechados. A escuridão que ilumina as ideias de quem se acha apenas merecedor é análoga ao complexo de inferioridade de quem acredita ter apenas que oferecer. Abuso sentimental é a covardia de quem conhece o potencial e joga com ele o próprio sustento e ostento. A própria ganância sobre um excesso que não lhe pertence. Somos o reflexo daquilo que temos e, principalmente, daquilo que não temos dentro de nós mesmos. A falta que mais aparece.

O rigor de satisfazer-se com nada menos que o tudo do outro. O encanto exacerbado que cega a esfera circundante de quem tem apenas amor a oferecer, e tudo diferente de amor recebe. Nos olhos límpidos de alguém que já viveu, prescrevo uma história mal contada de aproveitamento sobre sentimentos. Envolver-se emocionalmente para depois conhecer. É que o coração chega primeiro. Pensa-se depois, quando o terreno já foi adubado. Quando a expectativa já foi feita e quando o encanto já floresceu. Jardim que não é cuidado pode morrer para sempre.

O encantamento, pois, perdeu-se por meio de tanta desilusão. A conveniência de uma relação vantajosa fez com que a máscara do sentimento despusesse em véu a própria interferência dos sonhos. A realidade, antes tarde do que nunca, se refaz em cicatriz. Enterro, assim, o que era lindo pelo desperdício de quem não soube aproveitar.

No mundo real, sou aquela que busca o inventado. O brilho do olhar que ofusca me parece o suficiente para quebrar os paradigmas da razão. É, pois, insuficiência cardíaca a pobreza do retorno. A gula que não permite transbordar e dividir. De todas as pessoas que se esforçaram pra que eu perdesse o encanto nelas, por nenhuma delas ele voltou a existir.

 

THIANE ÁVILA.

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