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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Culpa das recordações

18/1/2016 - Votorantim - SP

Dizem que mente vazia é a oficina do diabo. As piores constatações talvez sejam feitas no alvorecer da solidão da lembrança de um dia a dois. Lembra-se da novidade do cheiro do primeiro encontro. Do primeiro olhar que foi reflexo do outro em um acidente incalculável de conexão subentendida. O mártir do sofrimento calado. A nostalgia do veredito de quem acha que nasceu pra sofrer.

É moda calcular os atos em busca de uma submissão mínima à impulsividade ou à feitura pela simples vontade de fazer. Às vezes, embebedo-me de lembranças de um tempo bom, energizadas por decepções que se embaralham gerando a indecisão sobre um passado bom ou não. Sobre uma experiência digna de ser lembrada ou posta na caixa das lamentações de quem gostaria de ter feito diferente.

A dinamicidade da mudança propicia novos moldes e análises ao que já foi pensado, criado e feito. Qualquer interpretação é passiva de novas verdades. Todas as angústias são subjugadas pelo desprazer de ser o sofredor. Autopiedade mutila a gana pelo salto magnânimo. Lembrança que faz crescer.

E nesse trâmite de não saber ao certo o que pensar, é verdade que as recordações agem de modo ensurdecedor. A única voz que soa aos ouvidos é a de um tempo bom. De uma companhia boa. Aquilo que ficou pra trás e que, vez que outra, poderia se repetir. Capacidade de viver em capítulos com possibilidade de retorno. Uma vida em série pra poder reviver detalhes, abraçar antigos abraços. Voltar a sentir certas texturas de pele.

O antagonismo de uma aura clara frente a uma escura prova que a primeira não poderia ser dita como tal sem a presença da segunda. Eu sei, não há sentido em metáforas vazias no meio de um amontoado de palavras embrulhadas de um estômago localizado no coração. Fome de sentimentos. Gula pela explosão do que já foi explodido. A recordação talvez seja isso: o ruído de uma bomba que explodiu há tempos, mas que ainda pode ser ouvida.

Sou a personificação da memória. O clichê da graça de gostar do antigo, do vivido, do quase mofado. Recordar não é apenas viver, mas voltar a sentir mais e melhor. Com o repertório do presente. Com o sofrimento do passado. Com a expectativa de um novo futuro. Premeditar a mazela de uma ferida ainda não cicatrizada talvez seja apenas o masoquismo de querer abrir uma outra. Chorar sob novo cenário. Mas amar a mesma pessoa e as mesmas vidas que um dia fizeram sentido. 

 

THIANE ÁVILA.

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