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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Quantos mundos já deixei pra trás

25/11/2015 - Votorantim - SP

Sentar numa poltrona de análise equivale a repousar a cabeça sobre as lembranças, em um momento de exacerbada lucidez, e dar-se conta de que é muito mais comum deixarmos coisas para trás do que darmos seguimento ao que iniciamos. Os dias correm numa velocidade tão grande, que a poeira dos detalhes vai caindo despercebida pelo caminho, que de tão longo, desconstrói uma série de possibilidades que foram sequer imaginadas.

Os passos dados rumo a mundos planejados é senão um soltar as mãos de um infinito que preferimos não levar junto. De um felizes para sempre que poderia ter durado mais. De uma mão que nos acariciou na hora da dor, mas que fizemos vista grossa e também deixamos ir.

Quantos mundos terei eu deixado pra trás nessa frenesi de querer viver tudo de uma vez só. Quantos amores duráveis deixei de experimentar para viver poucas horas de prazer, que mais pareciam universos paralelos de uma existência que explicava, no seu nada, o tudo que me cercava naquele instante infindável. Naquelas noites curtas, sem sequer um café da manhã compartilhado.

A contingência do ontem sobre o amanhã, no entanto, felizmente não me seduz. Sou o carpe diem inaugurado em lua romântica, paradoxalmente dependente do durável, mas aquele que só se faz em meio ao tempo que é pó. Na ciência ilusória de que nada se repete, na imaginação de que o meu acerto será perdoado. É que às vezes pecamos por excesso.

Não faço ideia da quantidade de mundos que desperdicei enquanto procurava galáxias distantes, constelações deslumbrantes. Frustra-me pensar que o detalhe da estrela a meio brilho possa me ter passado despercebido. Aquele mesmo detalhe que se faz assim no presente pela quantidade de material intergaláctico a conflitar com a teimosia dessa matéria de não abrir mão do seu lugar. É que insistir no que se quer machuca.

Seja qual for o número contabilizado de desacertos e estratégias mal elaboradas e mal efetuadas de viver o agora sem a pretensão do amanhã, acalma-me pensar que a realidade é perene e que, embora as oportunidades não voltem iguais, podem retornar incrementadas. Não sou a melhor pessoa para falar de decisões bem geridas, mas também sei que amar é a maior burrice do século. A ignorância da existência é não viver por viver. Somos os heróis do desperdício de vidas.

Essa dimensão que, por algum motivo, teima em caminhar comigo, ou teima em fazer-se chão ao meu caminhar, é senão uma efemeridade em meio ao próximo adeus que darei. Não somos fieis ao que nos acolhe e nunca seremos. Hipocrisia é pensar que retribuir é possível. Sentimo-nos acolhidos pelo mundo até percebermos que o que nos sustenta é a falta de lucidez. Hoje preciso de um psicanalista para ajudar-me a não pensar.

Falo, em meio às paredes, balbucios de argumentos perdidos por entre experiências que nem me dei conta de não ter vivido. Os mundos que deixei para trás são desconhecidos íntimos da minha paranoia de falar pelos cotovelos com a racionalidade de qualquer ameaça de explicação. A merda que se confunde com a clareza dos pensantes. Somos cascos vazios, não se engane.

Qualquer pretexto que eu encontre para alcançar as galáxias ancestrais de minhas possibilidades alucinadas e alucinantes é senão uma forma de aprisionar-se ainda mais na clausura de tentar responder a uma pergunta que não foi ainda formulada. E que quiçá será um dia.

Sou uma poeira que anda e acha pensar, que navega entre devaneios ébrios de uma sobriedade invejável. Daquelas entorpecidas pelas drogas ilícitas mais pesadas. É certo. Não me orgulho, mas hoje bebo muito mais. O tabaco, o pó e a planta são o definhamento das mãos do mundo. Ou então o mundo é uma projeção entorpecida do mau uso que fazemos da ilegalidade. O que é ilegal, no final das contas, é o que está contraditoriamente oficializado na boa conduta. Entorpeço-me para não ir contra os meus princípios e para, de alguma forma, manter-me em sintonia com todos os mundos que deixei pra trás.

 

THIANE ÁVILA.

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