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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Encontro inadiável

14/10/2015 - Votorantim - SP

Estivemos em conflito durante muito tempo, a adiar sempre que podíamos o tão temido encontro. O irremediável ato de encarar. De olhar nos olhos. De perceber o que, em uma leitura superficial do dia a dia, não se percebe. De sentir através da temperatura do ar exalado pelo corpo a dimensão de cada detalhe. A catástrofe de cada micro tempestade psíquica.

Sofro de aneurismas a todo o instante. A mutilar cada espécie habitante dentro da mente, confabulando com o fim a assustadora ideia de reinício. Nunca tive jeito para encontros inesperados. Fugia a toda hora desse em especial, com medo de na hora não termos assunto. De não conseguirmos as respostas que estávamos indo buscar.

A cada desculpa que eu dava, novas bombas. Novas tormentas. Viciei-me no refúgio do meio-termo, da metade e das beiradas. No momento em que mergulhei, pela falta de hábito, não soube voltar. Perdi-me por entre as bolhas de sobrevida que insistiam em turvar as vistas. Em camuflar qualquer pequena ameaça de luz que pudesse fazer-se, nem que por acidente, parte daquele desastre.

Assustava-me correr risco de vida. A hipocrisia mestre de achar na morte a solução. A vaidade de não querer conformar-se com as tentativas premeditadamente frustradas, mas possivelmente felizes e encantadoras. Desafiar o errado. Insistir naquilo que se diz uma falta de chance. Uma autopiedade que mutila mais do que a dor de uma ação fracassada. Tudo vira impotência.

Adiei até hoje esse encontro porque sempre fui travada com relacionamentos. Olhar naqueles olhos seria a coisa mais perigosa que eu faria, pois, a partir do momento em que se cruzassem e, de fato, penetrassem um no outro, não haveria outro amor capaz de sobrepujá-lo. Avassalaria minhas forças e não me permitiria recorrer.

Antes de darmos as mãos, precisei, no ato, tocar aquela face machucada e envelhecida pelo tempo. Sem marcas de idade, mas com profundidade de sentidos. Sem manchas de sol, mas com hematomas jorrando desilusão de baixa autoestima. Pele marcada por solas de sapatos que não hesitaram em pisá-la. Pés que sequer tomaram cuidado para estarem descalços, pisando, ao menos, com o calor da pele e com a arrogância de um sentimento sem máscara. Não eram feridas abertas pelo tempo, mas pela constância de um fim inadiável.

Acho gozado sobre como fim e começo andam juntos. Sobre como morte e vida são inseparáveis. Sobre como esse encontro tardou a acontecer, tendo sido preciso, antes dele, uma enxurrada de ventos em direção contrária. De ilusão de maré cheia que era, na verdade, a ressonância de um navio que já havia passado há tempos. É preciso, às vezes, viver a sobra de uma intensidade passada para perceber que restos nunca vão ser inteiros.

É preciso admitir, no entanto, que demorará certo tempo para adquirirmos intimidade. Não acho que tenhamos esperado demais para esse encontro, mas também não digo que foi na hora certa. Houve outras horas que não soube reconhecer. Mas também houve tantas outras lições que não teriam sido aprendidas. No fim, momento e circunstância são faces de uma mesma moeda.

A sorte de estar acariciando minha própria face, cuidando de minhas próprias feridas, amando minha própria existência. A intimidade de entrelaçar minhas mãos uma na outra, sentindo no toque a imensidão do amor que sinto. Assim, ao beijar meus cortes ainda abertos e a sangrar, aprendo que a eternidade é privilégio de quem não fica. Que o pra sempre só é digno quando o compromisso está na verdade, mesmo que ela seja um adeus.

 

THIANE ÁVILA.

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