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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Guilhotinando a sombra dos desfeitos

10/8/2015 - Votorantim - SP

O que mais amedronta é o não feito. O deixado de lado. A desistência de um potencial sucesso. A insistência numa tragédia inconclusa. Um ritmo descontínuo de acordes aleatórios, formando, ao fim, a caricatura de um “se” que perturba. Ensurdece os ouvidos sedentos por respostas que nunca virão. O não que não deu chance ao sim.

Na inconstância dos passos amarelados de cetim azul escuro, esfacelam-se as congratulações vitoriosas. Os gestos mais sinceros de piedade frente ao eminente estardalhaço de elogios e tapas nas costas. A sombra recalcada sempre no fundo do copo, bêbeda de recordações infindas. O sentimento que não foi permitido experimentar.

Na dúvida que fica do final, permanece quase sempre a autopiedade pelo fracasso ocasionado pelo medo do próprio fracasso. O insucesso psicológico da ação que não se emendou com o presente. Às vezes somos desconexos com as próprias prioridades. Fantasmas e agouros do próprio enternecimento.

Na capela destinada à oração das sombras espirituosas, estão os desfeitos a costurar o resto do cetim que enfeitava a marcha progressista dos decididos. As guilhotinas dos próprios feitos. A poda da própria plantação a crescer, bela.

Somos, pois, senão os únicos regentes da orquestra que nos embala. A banda inteira em uma só pessoa. O acorde e o instrumento em uma única materialidade. Simétricos ou assimétricos. Afinados ou descompassados. A dançar sob um ritmo que destoa com o som emitido pelo ecoar dos dias, mas que, certas vezes, é a causa por nos fazer continuar, assim, descontínuos e loucos. Amarelados e cheios de sombras.

Envelhecemos, então, sem a companhia da própria sombra, que continua apenas a contornar nossos corpos que, salvo um acidente ao longo do percurso da vida, permanecem os mesmos. Membros nos mesmos lugares. Apenas uma curvatura mais evidente, mas que não se faz suficiente para demarcar os traços que o tempo deixa.

A sombra dos acasos que deixam de ser vividos também é assim. Acompanha-nos para sempre, com a mesma diligência da primeira vez, a lembrar-nos dos desfeitos e das conclusões. Das bonanças e das derrotas. O acervo de memórias em forma de contorno e falta de luz, a diferenciar-se por entre os escândalos de uma existência sombreada pela profusão dos dias, a escurecer-se cada vez mais, sem necessariamente perder a luz que possui.

Somos a treva e a claridade. O feito e o desfeito. O sim e o não. A causa do sucesso e do fracasso. Somos, pois, o passo que evolui com as horas e o silêncio que desrespeita o barulho enlouquecedor da porta para fora. Quem sabe, pois, a casa da própria eternidade. O ócio da eterna atividade de ser enquanto se encaminha a um fim que, na verdade, delineia sempre um novo início.

 

THIANE ÁVILA.

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