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Thiane Ávila

Autor: Thiane Ávila

Se pudéssemos apenas sentir

27/7/2015 - Votorantim - SP

A convivência de uma solidão enclausurada, por entre escudos, com a predileção de simplesmente ser. Sendo antagonismo somente no momento em que desperta do silêncio, mas que, ao mesmo tempo, mantém em volume mudo a essência que nunca deixa de estar.

Ao preferir sentir a passagem da sobrevivência, reverbera-se o quão necessário se é estar aberto aos empréstimos dos dias. Às mãos e aos braços que se oferecem a dividir a carga. Ninguém é tão só a ponto de ser sozinho.

O perdão pela iniciativa de clarividenciar o despreparo diante da existência. Os medos de optar por algo que perpassa a dimensão da escolha. Sendo, pois, opção apenas no que tange à felicidade da alma. À permissão de ser subjugado por quem é subjugado por si mesmo. Conhecer depois de sentir, talvez o pior erro da humanidade.

Apegar-se a uma reputação feita de poeira, a um anarquismo construído com a solidez de argila molhada, a moldar-se eternamente de acordo com as mãos alheias. Prefiro a maleabilidade dos traços cortados, das partes amputadas e das cicatrizes evidentes. O sólido que vira líquido sempre que necessário. A fusão física que, em termos de permanência universal, é completamente química e irrecuperável. A matéria sempre será outra.

E com o passar das desilusões, percebe-se que o olhar que se debruça sobre nossos ombros são apenas espectros mal resolvidos de uma letargia atrasada, decidida a legitimar-se na profusão de pré-conceitos enraizados. Pós-conceitos feitos e desfeitos pelos detalhes mais desimportantes de uma existência.

Quanta hipocrisia existe na mente daqueles que mudam a respiração perante um interior que não se modifica por uma diferença. Pela opção que não se enquadra em realidades padronizadas. O padrão, pois, é invenção de burros em eterno desjejum. A indigesta insistência de ferir por nada. De tocar com aspereza de pedra bruta a objeção sentenciosa de uma escultura deformada pelos lindos detalhes. O disforme que não perde em nada o valor.

Os olhos, assim, revestidos de retinas mascaradas de uma sentença social vendida como preservação da dignidade. Como moral e bons costumes. A ignorância tornou-se moral. A intolerância, bom costume.

Em mundo de outdoors de publicidade ecológica em lugar de árvores, espera-se pouco de amor quando a audiência só se refaz pelo conflito e pela guerra. O sexo que ofende e a desavença que instiga. A troca de olhares e carícias que incomoda e o machismo que politiza. Assim contornam-se as estradas em constante turbulência e ofuscação, ao mesmo tempo em que a luz sobrepuja os cantos sombrios de gelo e impaciência, sempre a procurar a mínima brecha para fazer-se cintilar sem tirar a importância da noite que a permite energizar. 

 

THIANE ÁVILA.

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